"A poesia não está somente nos versos, por vezes ela está no coração, e é tamanha, a ponto de não caber nas palavras " (JORGE AMADO)
Espaço de emoções sentidas? Memórias?Estados de alma?Desabafos?Palavras ditas e outras que ficaram por dizer?
Tributo a poetas? Pequenas homenagens?
Talvez tudo isso ou, apenas, exorcismo e catarse da alma?
Seja como for, "esta espécie de blog" não pretende ser nada, a não ser o reflexo do que SOU e SINTO!
Tributo a poetas? Pequenas homenagens?
Talvez tudo isso ou, apenas, exorcismo e catarse da alma?
Seja como for, "esta espécie de blog" não pretende ser nada, a não ser o reflexo do que SOU e SINTO!
terça-feira, 22 de junho de 2010
Dentro de mim
o tempo, subitamente solto pelas ruas e pelos dias,
como a onda de uma tempestade a arrastar o mundo,
mostra-me o quanto te amei antes de te conhecer.
eram os teus olhos, labirintos de água, terra, fogo, ar,
que eu amava quando imaginava que amava. era a tua
a tua voz que dizia as palavras da vida. era o teu rosto.
era a tua pele. antes de te conhecer, existias nas árvores
e nos montes e nas nuvens que olhava ao fim da tarde.
muito longe de mim, dentro de mim, eras tu a claridade.
José Luís Peixoto
Se partires
Se partires, não me abraces - a falésia que se encosta
uma vez ao ombro do mar quer ser barco para sempre
e sonha com viagens na pele salgada das ondas.
Quando me abraças, pulsa nas minhas veias a convulsão
das marés e uma canção desprende-se da espiral dos búzios;
mas o meu sorriso tem o tamanho do medo de te perder,
porque o ar que respiras junto de mim é como um vento
a corrigir a rota do navio. Se partires, não me abraces -
o teu perfume preso à minha roupa é um lento veneno
nos dias sem ninguém - longe de ti, o corpo não faz
senão enumerar as próprias feridas (como a falésia conta
as embarcações perdidas nos gritos do mar); e o rosto
espia os espelhos à espera de que a dor desapareça.
Se me abraçares, não partas.
Maria do Rosário Pedreira
Esta manhã
Esta manhã encontrei o teu nome nos meus sonhos
e o teu perfume a transpirar na minha pele. E o corpo
doeu-me onde antes os teus dedos foram aves
de verão e a tua boca deixou um rasto de canções.
No abrigo da noite, soubeste ser o vento na minha
camisola; e eu despi-a para ti, a dar-te um coração
que era o resto da vida – como um peixe respira
na rede mais exausta. Nem mesmo à despedida
foram os gestos contundentes: tudo o que vem de ti
é um poema. Contudo, ao acordar, a solidão sulcara
um vale nos cobertores e o meu corpo era de novo
um trilho abandonado na paisagem. Sentei-me na cama
e repeti devagar o teu nome, o nome dos meus sonhos;
mas as sílabas caíam no fim das palavras, a dor esgota
as forças, são frios os batentes nas portas da manhã.
(Maria do Rosário Pedreira)
Sonhei comigo
Sonhei comigo
esta noite
Vi-me ao comprido
Deitada
Tinha estrelas
nos cabelos
em meus olhos
madrugadas
Sonhei comigo
esta noite
como queria
ser sonhada
Senti o calor da mão
percorrendo uma guitarra
De longe vinha um gemido
uma voz desabalada
Havia um campo
de trigo
um sol forte
me abrasava.
E acordei
meio sonhando
procurando
me encontrar
Quando me vi
ao espelho
era teu
o meu olhar.
(Eugénia Tabosa)
quarta-feira, 16 de junho de 2010
Outra vida
Estou desperta... mas sonho!
E adormeço com o sabor da tua voz,
Sabendo que amanhã não vou querer acordar.
Viajo num mundo que invento,
E onde tu permaneces sempre que te chamo.
E eu chamo-te sempre!...
Vagueio num espaço invisível,
E agarro com força a tua imagem,
Que deixas afagar sem eu saber porquê.
Enfrento mares, oceanos, tormentas...
Mas nada te arranca de mim!
Beijo-te no meu sonho, abraço-te, beijo-te, ... e possuo-te com raiva,
Porque não sabes parar o tempo!
Sinto que fazes parte de mim,
Como as estrelas do céu,
A areia do deserto,
As ondas do mar...
Mas também sinto que estás sempre de partida!
Que o teu mar é outro;
Que o teu deserto é doutra;
Que a estrela que te ilumina brilha noutro céu!...
Estou irremediavelmente desperta!
Mas quero continuar a sonhar!
Queria que um apocalipse viesse,
E fundisse nossos mundos,
E juntasse nossos sonhos,
E prendesse nossas almas,
E colasse nossos corpos....
e que a vida começasse de novo!
Procura
À procura de ti
Percorri ruas, caminhos, estradas.
Em cada rosto desejava o teu...
Em cada voz, o teu sorriso...
Em cada luz, o teu olhar seduzia o meu!
Na paz serena dos campos,
Ouvi pássaros a cantar.
Dos longos ramos das árvores,
Imaginei-te descendo... pr'a me abraçar!
Nas ruas da cidade, vagueei
Sem destino, ansiosa por te encontrar.
Ouvi o barulho da vida,
Mas a ti, não te pude achar!
Dei por mim a perguntar:
- Que outras ruas percorres?
- Por que caminhos vagueias?
- Que estradas sentem teus passos?
- Que cidade te vê correr?
- Que campo te vê sonhar?
- E que mar é o teu olhar,
Que em dia de calmaria,
Deixa o meu a naufragar?
Sem respostas, continuo a percorrer ruas,
Caminhos, estradas,
À procura sem parar....
À toa, a vaguear...
Quem sabe se um farol, no fim do caminho, vou encontrar!
Cúmplice
Lá fora a chuva cai...
O céu cinzento é um lago sem fim...
E lágrimas quentes caem nas minhas faces frias,
como gotas dessa chuva libertada!
Lá fora, como no meu peito,
a chuva cai, miudinha, sem parar,
e o vento, que deixou de soprar,
dá vez ao trovão, que ressoa no ar!
Cinzenta como a paisagem,
Está a minh'alma a ficar.
Na natureza, e em mim,
cai a noite sem luar!
Procuro uma estrela, uma luz...
Que nos venha iluminar.
Perdidas, ela e eu....
Ninguém nos vai encontrar!
Beijo-te...
Saudade
Memórias
no chão obscuro desse amor que lembro
Lábios que encontram outros lábios
num meio de caminho, como peregrinos
interrompendo a devoção, nem pobres
nem sábios numa embriaguez sem vinho
que silêncio os entontece quando
de súbito se tocam e, cegos ainda,
procuram a saída que o olhar esquece
num murmúrio de vagos segredos?
É de tarde, na melancolia turva
dos poentes, ouvindo um tocar de sinos
escorrer sob o azul dos céus quentes,
que essa imagem desce de agosto, ou
setembro, e se enrola sem desgosto
no chão obscuro desse amor que lembro.
soneto de Nuno Júdice
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