Espaço de emoções sentidas? Memórias?Estados de alma?Desabafos?Palavras ditas e outras que ficaram por dizer?

Tributo a poetas? Pequenas homenagens?

Talvez tudo isso ou, apenas, exorcismo e catarse da alma?


Seja como for, "esta espécie de blog" não pretende ser nada, a não ser o reflexo do que SOU e SINTO!

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Carta 58



Domingo, 28 de Maio, 2006

Carta 58

Meu amor,

Gosto de pensar que o teu corpo nasce nas minhas mãos tão rapidamente como uma frase que escrevo, que o teu corpo vem ter comigo como as palavras rente ao muro da casa onde se inicia o dia. Mas o teu corpo não chega onde eu quero, nem onde tu queres, ele chega aonde cai. És a morada mais apetecida, as paredes mais quentes, com a sua pele lisa, os lilases à porta de casa, a janela por onde vejo o mundo e os pássaros a abandonarem as árvores ao fim da tarde. Os teus cabelos macios, da cor dos diospiros mais maduros, inundam de finas areias os olhos dos homens que não os podem tocar. Os homens que percorrem o caminho silvestre da alegria, esse teu corpo longo de harmonia, seja com mãos ou com lábios, não tardam a encontrar o rosto que ofereces ao vento e à luz. O teu rosto ilumina-se pela manhã. Os dias dançam na beirada dos teus doces e macios lábios. A tua boca é um abismo. Nenhum mortal sobrevive a tamanha queda, nem com os teus braços a ampararem. Braços que cortam o mar, braços peixe, que não temem a rebentação das nuvens, as trovoadas mais eléctricas que o desejo possa ter. A tua paixão é do tamanho da sede que nasce nos desertos. Tu és do tamanho de conseguir as coisas. Trazes palavras que destroem a tristeza, essa pedra que cresce dentro dos corações humanos. Trazes a alegria para dentro de casa. E, depois de arrumares a alegria toda nas prateleiras, nas gavetas, nos armários, a alegria toda nos sítios certos, sentas-te para mim. Sentas-te como quem viaja. Sentas-te para um infinito de paixão. Mas não esqueço os dias em que as minhas mãos rebentavam contra o teu peito, contra as tuas nádegas, como ondas de oceano, subindo pelas falésias e salpicando de sal húmido os lençóis da cama. Os meus dentes a tiritarem de frio nos teus mamilos, meu amor, frio de medo que se acabasse. Frio de medo que parasses, que não chegues.


O teu.
(Paulo José Miranda)

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Distância





" (...) Nenhuma distância, cabe dentro de um pensamento.
Em meus silêncios, encontro-te todos os dias. "

Bruno de Paula

A Demora

                                         

O amor nos condena:
demoras
mesmo quando chegas antes.
Porque não é no tempo que eu te espero.

Espero-te antes de haver vida
e és tu quem faz nascer os dias.

Quando chegas
já não sou senão saudade
e as flores
tombam-me dos braços
para dar cor ao chão em que te ergues.

Perdido o lugar
em que te aguardo,
só me resta água no lábio
para aplacar a tua sede.

Envelhecida a palavra,
tomo a lua por minha boca
e a noite, já sem voz
se vai despindo em ti.

O teu vestido tomba
e é uma nuvem.
O teu corpo se deita no meu,
um rio se vai aguando até ser mar.

Mia Couto, in " idades cidades divindades"

Um dia talvez faça sentido a tua fuga...



Um dia talvez faça sentido a tua fuga urgente
e fria
pela calada do silêncio.
Só então perdoarei o tempo
pela dor de não te ter tido
nem ter sabido de cor.


Podias ter sido um barco
a navegar no mesmo ritmo das ondas,
mas não. Quiseste ser vento contrário...


Mas tudo tem duas faces.
A tristeza é só a outra face da alegria
tal como a morte é só a outra face da vida.
Este amor tem duas faces:nós...
e nós somos apenas tu e eu,
o desencontro na volta lenta da vida
o reencontro além do tempo.


Logo chegará o dia
em que o teu espaço será o meu espaço
e o teu tempo será o meu tempo
e jamais haverá sinais a apontar destinos
proibidos.
Seremos apenas nós,
com a certeza de um amor sobrevivente
na memória longínqua do olhar.
E será pelo olhar que nos reconheceremos...


Hoje eu sei que não vou morrer por não te ter,
porque um dia
atravessarei o portão desconhecido
e, ainda que tu não saibas,
levar-te-ei comigo...


e se não posso ter-te aqui,
ter-te-ei além
onde os barcos navegam sem vento...


ainda que não te tenha nunca...


Maria José Quintela

Os sentimentos que mais doem...



Os sentimentos que mais doem, as emoções que mais pungem, são os que são absurdos - a ânsia de coisas impossíveis, precisamente porque são impossíveis, a saudade do que nunca houve, o desejo do que poderia ter sido, a mágoa de não ser outro, a insatisfação da existência do mundo. 
Todos estes meios-tons da consciência da alma criam em nós uma paisagem dolorida, um eterno sol-pôr do que somos. (...) Nestas horas de mágoa subtil, torna-se-nos impossível, até em sonho, ser amante, ser herói, ser feliz. Tudo isso está vazio, até na ideia do que é. Tudo isso está dito em outra linguagem, para nós incompreensível, meros sons de sílabas sem forma no entendimento. A vida é oca, a alma é oca, o mundo é oco. Todos os deuses morrem de uma morte maior que a morte. Tudo está mais vazio que o vácuo. E tudo um caos de coisas nenhumas.
Se penso isto e olho, para ver se a realidade me mata a sede, vejo casas inexpressivas, caras inexpressivas, gestos inexpressivos. Pedras, corpos, ideias - está tudo morto. Todos os movimentos são paragens, a mesma paragem todos eles. Nada me diz nada. Nada me é conhecido, não porque o estranhe mas porque não sei o que é. Perdeu-se o mundo. E no fundo da minha alma - como única realidade deste momento - há uma mágoa intensa e invisível, uma tristeza como o som de quem chora num quarto escuro. 

Bernardo Soares in Livro do Desassossego

O Amor é um Acidente, uma Renúncia, um Hábito, uma Maldição



O amor é um acidente.
Eu estava sentada no regaço de uma mulher de cobre, uma escultura de Henry Moore, e Bill debruçou-se sobre mim e beijou-me nos lábios. E de repente eu amava-o. Amava-o e só isso importava. Reparei nas mãos dele, mãos de pianista. Mãos preparadas para o amor. Ainda hoje gosto de lhe ver as mãos enquanto folheia um livro, enquanto lê um jornal. As mãos dele envelheceram, envelheceram a apertar outras mãos, milhares de outras mãos, a jogar golfe, a assinar autógrafos e documentos importantes. Envelheceram, sim, mas continuam belas. Continuam a excitar-me. 
O amor é uma renúncia. Amar alguém é desistir de amar outros, é desistir por esse amor do amor de outros. Eu desisti de tudo. A partir desse dia dei-lhe todos os meus dias. Entreguei-lhe os meus sonhos, os meus segredos, as minhas convicções mais profundas. Não me queixo! 
Não sou ingénua nem estúpida. Quando digo que o amor é uma renúncia, quero dizer que foi assim para mim. Para Bill foi sempre uma outra coisa. Eu sabia que ele reparava noutras mulheres, e que outras mulheres reparavam nele. Um homem feio, com poder, é quase bonito. Um homem bonito, com poder, é quase um Deus. 
Apesar da minha educação cristã, ou por causa dela, sempre me recusei a viver sujeita à ameaça do pecado. As grandes indústrias vêm tentando convencer-nos de que é possível tirar o veneno ao prazer e ficar apenas com o prazer: café sem cafeína, cerveja sem álcool, cigarro sem nicotina - amor platónico. Quanta estupidez. Quem bebe café procura a exaltação da cafeína. Quem pede uma cerveja numa tarde de sol quer refrescar o corpo, sim, mas também quer soltar o espírito. Se é para pecar quero o pecado inteiro. 
Bill teve o seu castigo. Tivemos os dois. Foram dias difíceis, foram noites ainda mais difíceis, mas passaram. Uma manhã acordei e já não tinha lágrimas. Noutra manhã acordei e já não o odiava. Finalmente acordei e estava de novo abraçada a ele. 
O amor é um hábito. Como acham que cheguei até este dia? Foi o amor que me trouxe. Maldito seja. 

José Eduardo Agualusa, in 'A Educação Sentimental dos Pássaros '

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Despedida



Por mim, e por vós, e por mais aquilo
que está onde as outras coisas nunca estão,
deixo o mar bravo e o céu tranquilo:
quero solidão.

Meu caminho é sem marcos nem paisagens.
E como o conheces? - me perguntarão.
- Por não ter palavras, por não ter imagens.
Nenhum inimigo e nenhum irmão.

Que procuras? Tudo. Que desejas? - Nada.
Viajo sozinha com o meu coração.
Não ando perdida, mas desencontrada.
Levo o meu rumo na minha mão.

A memória voou da minha fronte.
Voou meu amor, minha imaginação...
Talvez eu morra antes do horizonte.
Memória, amor e o resto onde estarão?

Deixo aqui meu corpo, entre o sol e a terra.
(Beijo-te, corpo meu, todo desilusão!
Estandarte triste de uma estranha guerra...)
Quero solidão.

Cecília Meireles

Moi aussi!


Adeso che rimane?