Espaço de emoções sentidas? Memórias?Estados de alma?Desabafos?Palavras ditas e outras que ficaram por dizer?

Tributo a poetas? Pequenas homenagens?

Talvez tudo isso ou, apenas, exorcismo e catarse da alma?


Seja como for, "esta espécie de blog" não pretende ser nada, a não ser o reflexo do que SOU e SINTO!

terça-feira, 22 de junho de 2010

Dentro de mim



o tempo, subitamente solto pelas ruas e pelos dias,
como a onda de uma tempestade a arrastar o mundo,
mostra-me o quanto te amei antes de te conhecer.
eram os teus olhos, labirintos de água, terra, fogo, ar,
que eu amava quando imaginava que amava. era a tua
a tua voz que dizia as palavras da vida. era o teu rosto.
era a tua pele. antes de te conhecer, existias nas árvores
e nos montes e nas nuvens que olhava ao fim da tarde.
muito longe de mim, dentro de mim, eras tu a claridade.

José Luís Peixoto


Se partires


Se partires, não me abraces - a falésia que se encosta
uma vez ao ombro do mar quer ser barco para sempre
e sonha com viagens na pele salgada das ondas.

Quando me abraças, pulsa nas minhas veias a convulsão
das marés e uma canção desprende-se da espiral dos búzios;
mas o meu sorriso tem o tamanho do medo de te perder,
porque o ar que respiras junto de mim é como um vento
a corrigir a rota do navio. Se partires, não me abraces -

o teu perfume preso à minha roupa é um lento veneno
nos dias sem ninguém - longe de ti, o corpo não faz
senão enumerar as próprias feridas (como a falésia conta
as embarcações perdidas nos gritos do mar); e o rosto
espia os espelhos à espera de que a dor desapareça.

Se me abraçares, não partas.

Maria do Rosário Pedreira

Esta manhã


Esta manhã encontrei o teu nome nos meus sonhos
e o teu perfume a transpirar na minha pele. E o corpo
doeu-me onde antes os teus dedos foram aves
de verão e a tua boca deixou um rasto de canções.

No abrigo da noite, soubeste ser o vento na minha
camisola; e eu despi-a para ti, a dar-te um coração
que era o resto da vida – como um peixe respira
na rede mais exausta. Nem mesmo à despedida

foram os gestos contundentes: tudo o que vem de ti
é um poema. Contudo, ao acordar, a solidão sulcara
um vale nos cobertores e o meu corpo era de novo
um trilho abandonado na paisagem. Sentei-me na cama

e repeti devagar o teu nome, o nome dos meus sonhos;
mas as sílabas caíam no fim das palavras, a dor esgota
as forças, são frios os batentes nas portas da manhã.

(Maria do Rosário Pedreira)

Sonhei comigo



Sonhei comigo
esta noite
Vi-me ao comprido
Deitada
Tinha estrelas
nos cabelos
em meus olhos
madrugadas
Sonhei comigo
esta noite
como queria
ser sonhada
Senti o calor da mão
percorrendo uma guitarra
De longe vinha um gemido
uma voz desabalada
Havia um campo
de trigo
um sol forte
me abrasava.
E acordei
meio sonhando
procurando
me encontrar
Quando me vi
ao espelho
era teu
o meu olhar.

(Eugénia Tabosa)

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Outra vida




Estou desperta... mas sonho!
E adormeço com o sabor da tua voz,
Sabendo que amanhã não vou querer acordar.

Viajo num mundo que invento,
E onde tu permaneces sempre que te chamo.
E eu chamo-te sempre!...

Vagueio num espaço invisível,
E agarro com força a tua imagem,
Que deixas afagar sem eu saber porquê.

Enfrento mares, oceanos, tormentas...
Mas nada te arranca de mim!

Beijo-te no meu sonho, abraço-te, beijo-te, ... e possuo-te com raiva,
Porque não sabes parar o tempo!

Sinto que fazes parte de mim,
Como as estrelas do céu,
A areia do deserto,
As ondas do mar...
Mas também sinto que estás sempre de partida!
Que o teu mar é outro;
Que o teu deserto é doutra;
Que a estrela que te ilumina brilha noutro céu!...

Estou irremediavelmente desperta!
Mas quero continuar a sonhar!

Queria que um apocalipse viesse,
E fundisse nossos mundos,
E juntasse nossos sonhos,
E prendesse nossas almas,
E colasse nossos corpos....
e que a vida começasse de novo!

Procura



À procura de ti
Percorri ruas, caminhos, estradas.
Em cada rosto desejava o teu...
Em cada voz, o teu sorriso...
Em cada luz, o teu olhar seduzia o meu!
Na paz serena dos campos,
Ouvi pássaros a cantar.
Dos longos ramos das árvores,
Imaginei-te descendo... pr'a me abraçar!
Nas ruas da cidade, vagueei
Sem destino, ansiosa por te encontrar.
Ouvi o barulho da vida,
Mas a ti, não te pude achar!

Dei por mim a perguntar:
- Que outras ruas percorres?
- Por que caminhos vagueias?
- Que estradas sentem teus passos?
- Que cidade te vê correr?
- Que campo te vê sonhar?
- E que mar é o teu olhar,
Que em dia de calmaria,
Deixa o meu a naufragar?

Sem respostas, continuo a percorrer ruas,
Caminhos, estradas,
À procura sem parar....
À toa, a vaguear...
Quem sabe se um farol, no fim do caminho, vou encontrar!

Cúmplice



Lá fora a chuva cai...
O céu cinzento é um lago sem fim...
E lágrimas quentes caem nas minhas faces frias,
como gotas dessa chuva libertada!

Lá fora, como no meu peito,
a chuva cai, miudinha, sem parar,
e o vento, que deixou de soprar,
dá vez ao trovão, que ressoa no ar!

Cinzenta como a paisagem,
Está a minh'alma a ficar.
Na natureza, e em mim,
cai a noite sem luar!

Procuro uma estrela, uma luz...
Que nos venha iluminar.
Perdidas, ela e eu....
Ninguém nos vai encontrar!

Música




"QUEM OUVE MÚSICA, SENTE A SUA SOLIDÃO DE REPENTE POVOADA..." Guizot


Toda a poesia é luminosa, até
a mais obscura.
O leitor é que tem às vezes,
em lugar de sol, nevoeiro dentro de si.
E o nevoeiro nunca deixa ver claro.
Se regressar
outra vez e outra vez
e outra vez
a essas sílabas acesas
ficará cego de tanta claridade.
Abençoado seja se lá chegar.


Eugénio de Andrade

Beijo-te...




Beijo-te a correr, ... e quase fujo, porque sair do pé de ti é regressar ao que não és tu, o teu olhar e as tuas mãos, a tua alma e a tua voz, e isso, meu amor, transformou-se no insuportável intervalo entre dois encontros.

António Mega Ferreira

Quando eu morrer...




"Quando eu morrer, deixai-me livre. Não procureis reter-me, também, na morte! … "

Saudade



... aqui não há palavras. há a tua ausência. há o medo sem os
teus lábios, sem os teus cabelos. fecho os olhos para te ver
e para não chorar.

José Luis Peixoto

Memórias



no chão obscuro desse amor que lembro
Lábios que encontram outros lábios
num meio de caminho, como peregrinos
interrompendo a devoção, nem pobres
nem sábios numa embriaguez sem vinho

que silêncio os entontece quando
de súbito se tocam e, cegos ainda,
procuram a saída que o olhar esquece
num murmúrio de vagos segredos?

É de tarde, na melancolia turva
dos poentes, ouvindo um tocar de sinos
escorrer sob o azul dos céus quentes,

que essa imagem desce de agosto, ou
setembro, e se enrola sem desgosto
no chão obscuro desse amor que lembro.

soneto de Nuno Júdice