MENSAGEM DE RETRIBUIÇÃO AO PEDRO E À
LAURA
Caro Pedro,
Antes de mais os meus sinceros
agradecimentos pela amabilidade que tiveste em prescindir dos poucos momentos
em que não tens que carregar o país às costas, para pensar um pouco em nós e
nos nossos natais.
Retrataste com a clarividência de poucos
a forma penosa como atravessamos esta quadra que deveria ser de alegria, amor e
união. És de facto um ser iluminado e somos sem dúvida privilegiados em ter ao
leme da nossa nau um ser humano de tão refinada cepa.
Gostava também de ser interlocutor de
alguém que queria aproveitar o espírito de boa vontade que a quadra proporciona
para te pedir sinceras desculpas…a minha mãe.
A minha mãe é uma senhora de 70 anos,
que usufruindo de uma escandalosa pensão de mil e poucos euros, se sente
responsável pelo miserável natal de todos os seus concidadãos. Ela não consegue
compreender onde falhou, mas está convicta de que o fez…doutra forma não terias
afirmado o que afirmaste. Tentarei resumir o seu percurso de vida para que nos
ajudes a identificar a mácula.
A minha mãe nasceu em Alcácer do Sal
começou a trabalhar com 12 ou 13 anos…já não se recorda muito bem. Apanhava
ganchos de cabelo num salão de cabeleireiro, e simultaneamente aprendia umas
coisas deste ofício. Casou jovem e mudou-se para a cidade em busca de melhor
vida. Sem opções de emprego a minha mãe nunca se acomodou e fazia alguns
trabalhos de cabeleireira ao domicilio…nunca se queixou…foi mãe jovem e sempre
achou que por esse facto era a mulher mais afortunada do mundo. Arranjou depois
emprego num refeitório de uma grande fábrica. Nunca teve qualquer tipo de
formação mas a cozinha era a sua grande paixão.
Depois de alguns anos no refeitório
aventurou-se no seu grande sonho…ter um negócio próprio de restauração. Quis o
destino que o sonho se concretizasse no ano de 1974…lembras-te 1974? O ano em
que te tornaste livre? Tinhas o quê? 10 anos?
Pois é…o sonho da minha mãe tem a idade
da democracia.
O sonho nasceu pequeno, com pouco mais
de 3 ou 4 colaboradoras. Com muita dificuldade, muito trabalho e muitas noites
sem dormir foi crescendo e chegou a dar trabalho a mais de 20 pessoas. A minha
mãe tem a 4ª classe.
Tu já criaste empregos Pedro? Quer
dizer…criar mesmo…investir e arriscar o que é teu…telefonemas para o
Relvas a pedir qualquer coisa para uma amiga da Laura não conta como criar
emprego. A minha mãe criou…por isso ela não compreende muito bem onde errou.
Tudo junto tem mais de 40 anos de descontos para a segurança social. Sempre
descontou aquilo que a lei lhe exigia. A lei que tu e outros como tu…gente de
tão abnegada dedicação, se entretém a escrever, reescrever, anular,
modificar…enfim…trabalhos de outra grandeza que ela não compreende mas
valoriza.
Pois como te digo, a minha mãe viu
passar o verão quente, os tempos do desenvolvimento sem paralelo, o fechar de
todas as fábricas da região, os tempos do oásis, as várias intervenções do FMI,
as Expos, os Euros, do futebol e da finança…e passou por isto tudo sempre a
trabalhar como se não houvesse amanhã. A pagar impostos todos os meses e todos
os anos. IVA, IRC, IRS, IMI, pagamentos por conta, pagamentos especiais por
conta, por ter um toldo, por ter a viatura decorada, por ter cão, de selo, de
circulação, de radiodifusão…não falhando um único desconto para a sua reforma,
não falhando um único imposto. E viu chegar as condicionantes da idade avançada
sem lançar um queixume. E foi resolvendo todos os seus problemas de saúde que
inexoravelmente foram surgindo, recorrendo a um seguro privado, tentando deixar
para aqueles que realmente necessitam, o apoio da segurança social. Em mais de
40 anos de contribuição não teve um dia de baixa, não usufruiu de um cêntimo em
subsídios de desemprego. E ela dá voltas e voltas à cabeça e não há forma de se
recordar onde possa ter falhado. Mas certamente falhou…
Por isso Pedro, quando eu lhe li a tua
carinhosa mensagem, que certamente escreveste na companhia da Laura e com um
cobertor a cobrir as vossas pernas para poupar no aquecimento, ela comoveu-se,
e cheia de remorsos pediu-me que por esta via te endereçasse um sentido pedido
de desculpas.
Pediu também para te dizer que se sente
muito orgulhosa de com a redução da sua pensão poder contribuir para que a tua
missão na terra seja coroada de sucesso.
És de facto único Pedro. A forma
carinhosa como te referes aos sacrifícios que os outros estão fazer, faz-me
acreditar que quase os sentes como teus. Sei que sofres por nós Pedro. Sei
que cada emprego que se perde é uma chaga que se abre no teu corpo…é um
sofrimento atroz que te é imposto…e tudo por culpa de quem? De gente como a
minha pobre mãe que mesmo sem querer tem levado toda uma vida a delapidar o
património que é de todos. Por isso se a conseguires ajudar a perceber onde
errou ficar-te-ei eternamente agradecido. A minha mãe ainda é daquele tipo de
pessoas que não suporta a ideia de estar a dever algo a alguém...ajuda-nos pois
Pedro.
Aceita por favor, mais uma vez, em nome
da minha mãe, sentidas desculpas. Ela diz que apesar de reformada e com menos
saúde vai continuar a trabalhar para poder expiar o tanto mal que causou.
Continua Pedro..estás certamente no bom
caminho, embora alguns milhões de ingratos não o consigam perceber.
Não te detenhas…os génios raramente são
reconhecidos em vida.
Um grande abraço para ti.
Um grande beijo para a Laura.